As dietas sem carne têm se diferenciado cada vez mais e feito a indústria se atentar a esse perfil de consumidor
Até o começo dos anos 2000, as dietas que deixavam de fora o consumo de carne eram restritas a poucas pessoas. Culturalmente presente na rotina do brasileiro, deixar de fora o consumo de proteína animal era visto como um comportamento radical. Porém, esta percepção mudou nos últimos anos. Seja por preocupações com o meio ambiente ou com a saúde, o número de vegetarianos cresceu 75% entre 2012 e 2018, de acordo com o Ibope. São cerca de 30 milhões de brasileiros que preferem optar por alimentos de outra procedência.
Mesmo em um grupo nichado, há muitas diferenças na forma de se relacionar com os alimentos. Os vegetarianos não consomem carne, mas permitem o uso de itens derivados como leite e ovos. Os veganos, além de não consumirem nem os derivados, levam essa ideologia para outros aspectos além da alimentação, evitando fazer uso de qualquer produto de origem animal, como nos vestuários, na limpeza da casa e nos cosméticos. Os veganos consomem produtos processados, desde que não tenham qualquer origem animal na composição.
Agora, há um novo perfil de consumo que se aproxima desses dois modelos, mas mantém algumas características diferentes: a dieta plant based, isto é, com alimentos de origem vegetal como folhas, frutas, grãos e legumes. Porém, neste perfil, o consumo de carnes não é proibido, mas restrito. O que seus adeptos procuram é manter um estilo de vida que se distancie ao máximo do consumo de itens ultraprocessados, tendo a preocupação maior com a matéria prima do que consomem, priorizando mercadorias orgânicas.
O estilo plant-based tem na qualidade de vida o principal pilar, pois o consumo desses ingredientes tem sido associado ao bem estar e à promoção da saúde, reduzindo as consequências de desenvolver doenças a partir do consumo de mercadorias com química em excesso. Privilegiam uma nutrição natural e, quando consomem industrializados, procuram aqueles com certificados de procedência e de proteção ao meio ambiente.
Controvérsia da indústria
Tanto interesse por produtos de origem vegetal têm chamado a atenção da indústria. De acordo com o The Good Food Instituto Brasil (GFI), em reportagem publicada pela revista Exame, o lançamento de produtos plant-based cresce mais de 7% ao ano e prometem um avanço médio próximo de 12% até 2027. Em comparação, o mercado de carnes deve aumentar 4,5% anualmente.
Na ânsia de atender a esse nicho de mercado, empresas alimentícias têm apostado em uma série de produtos que procuram substituir itens tradicionalmente feitos com carne por plantas, simulando textura, sabor e aroma da proteína animal. Segundo o grupo Angeloni, rede com forte atuação no sul do Brasil, em 2019 o consumo deste tipo de artigo cresceu 40% em comparação a 2018. Se considerarmos as mudanças de hábito adotadas durante a pandemia, a projeção é de um volume ainda maior.
Apesar de serem vendidos como plant-based e não terem carne na composição, muitos desses itens acabam por serem ultraprocessados, o que os tornam uma opção menos saudável para o consumo em comparação aos produtos naturais. A chef Rita Lobo alertou para esta situação em publicação em suas redes sociais. “O legal dessa onda plant-based é que, por serem novos, fazem com que consumidores atentos enxerguem a mecânica da indústria de ultraprocessados. Caldos, biscoitos, refris estão aí há tanto tempo que muitos não conseguem mais diferenciá-los de comida de verdade”, postou.
A opinião dela foi em defesa de outra renomada profissional da gastronomia, Paola Carosella, que se posicionou sobre este mercado. “Sugiro o seguinte: Se você quer comer coisas sabor carne, coma carne. Se quer comer plantas, coma plantas com gosto de plantas. E se quer parar ou diminuir o consumo de carne, o universo vegetal é gigantesco. Não se deixe enganar”, publicou em seu twitter.
O público consumidor está atento a esta dinâmica, por isso, vê vantagens em se ofertar estes produtos, mesmo que industrializados. O advogado Pedro Augusto Souza é vegetariano há mais de 10 anos e acha importante que os supermercados nos centros urbanos tenham as mais diferentes opções, sejam in natura ou não. “Entendo que ninguém precisa recorrer aos processados para parar de comer animais e derivados, mas pode ser uma opção a depender do paladar do indivíduo e do gosto pessoal”, acredita.
A escolha de Souza para interromper o consumo de carnes teve na preocupação com o meio ambiente a principal razão, mais do que para buscar hábitos saudáveis. “Não tenho nada contra industrializados plant based. Inclusive acho bom, pois posso comer sabendo que, ao menos diretamente, não estou contribuindo para a exploração dos animais”, explica o advogado. E completa: “a gente só não pode acreditar que tem algo de revolucionário em uma grande empresa vender produtos plant based, pois na perspectiva empresarial é apenas uma forma de atender à demanda de mercado”.
Com opiniões que se dividem e o mercado aquecido, uma certeza se pode ter: enquanto o público manifestar interesse neste modelo de consumo, a variedade de produtos que chegarão às prateleiras será cada vez maior e caberá ao consumidor escolher se prefere investir nas gôndolas dos processados a base de plantas ou garantir itens frescos e in natura na seção de hortifruti.