Percentual de 45% das perdas nos supermercados é detectado no item perecibilidade/vencimento dos produtos, na última pesquisa da ABRAPPE (Associação Brasileira de Prevenção de Perdas no Varejo). O elevado índice acende a luz vermelha no segmento, que precisa atuar firme na prevenção para a redução dessa sangria.
Por Eliane Carone
A perecibilidade – característica do que é perecível – da maioria dos produtos comercializados pelo setor supermercadista é, sem dúvida, uma das grandes e maiores preocupações dos seus varejistas. E não é para menos: a responsabilidade com a qualidade dos alimentos que são oferecidos aos consumidores, a complexa logística para se garantir que todas as mercadorias tenham procedência confiável e estejam em perfeitas condições nas lojas, e as adequações às regulamentações da vigilância sanitária não são tarefas para amadores.
Não são mesmo, considerando-se, sobretudo, as perdas que representam no comércio a deterioração dos produtos, apesar de tantos cuidados e investimentos feitos para se minimizar esse problema administrado dia a dia, no ininterrupto entra e sai de produtos perecíveis. É uma luta constante, contínua e conhecida desde sempre pelos supermercadistas, mas que requer cada vez mais ferramentas para se enfrentar os desafios dessa questão, principalmente nesses novos tempos.
O consumidor mudou, ficando muito mais informado e exigente com o passar dos anos. Vieram o Código do Consumidor, as datas de validade, as enérgicas leis sanitárias e a evolução do comércio mundial quanto à qualidade dos produtos alimentícios. O futuro chegou, e não existe mais espaço para “pisadas de bola” no quesito produtos perecíveis fora do padrão exigido, no cenário atual.
Qualquer deslize nesse sentido representa perda significativa para esse importante segmento varejista, tanto financeira quanto de imagem. E os números indicam que essas perdas lideram no ranking do maior ralo de prejuízos no comércio.
45% de Perdas no Setor, em Perecíveis
Dentre as causas-raiz das perdas no varejo em geral, temos as chamadas “Perdas Identificadas” e as “Perdas não Identificadas”. As “Identificadas” são previsíveis, e por isso possíveis de serem controladas ou prevenidas: são as ditas quebras operacionais, relacionadas a avarias causadas nas mercadorias por movimentação, acondicionamento ou manuseio inadequados, datas vencidas para consumo, embalagens danificadas e outros. Já as “Não Identificadas” referem-se a furtos, fraudes e erros de inventário.
A última das cinco pesquisas anuais da ABRAPPE, saída fresquinha agora no final de junho/22, apontou os percentuais de perdas relacionados a diversos segmentos do varejo nacional. Os números para as perdas do setor supermercadista, relativos às quebras operacionais, foram os seguintes:
- Exposição inadequada de produto: 4,97%
- Produto esquecido/perdido no estoque: 6,65%
- Armazenamento inadequado de produto: 7,41%
- Refrigeração inadequada: 7,85%
- Produto danificado no estoque: 9,96%
- Produto danificado na loja: 17,99%
- Perecibilidade/Vencimento de produto: 45.16%
Como se vê, os resultados dessa pesquisa não deixam dúvidas: Perecibilidade/Vencimento de produto é o maior percentual de perdas em quebras operacionais nos supermercados. É preciso, portanto, agir com rigor na prevenção das perdas em perecíveis, cuja vulnerabilidade nos vencimentos e deterioração desses produtos acendem alarme máximo.
A ABRAPPE – Associação Brasileira de Prevenção de Perdas – é uma organização independente, formada por representantes de mais de 500 empresas de todos os segmentos do varejo nacional. Fundada em 2018, ela tem o propósito de “tornar a prevenção de perdas uma área de estratégia, que contribua de forma sustentável para o aumento da rentabilidade do varejo e da indústria no Brasil”.
Carlos Eduardo Santos, presidente da entidade, salienta que “os profissionais e os departamentos de Prevenção de Perdas devem ser estratégicos em qualquer empresa: Queremos, com a associação, propagar esse conceito, pois anualmente bilhões de reais do varejo vão diretamente para o ralo”.
Prevenção de Perdas
Como controlar, reduzir e prevenir as perdas que impactam diretamente no lucro do varejo, principalmente quando o foco são produtos e alimentos perecíveis? Este é um grande desafio dos supermercadistas, sempre às voltas com situações recorrentes de numerosos descartes dessas mercadorias. Mas há passos importantes a serem dados nesse sentido, capazes de reverter essas perdas em oportunidades de melhores resultados nas empresas:
Cultura e Conscientização
Antes de mais nada, deve-se partir do princípio de que a prevenção de perdas é uma questão básica de cultura da empresa, com valores que devem ser incorporados na gestão do negócio e repassados a todos integrantes da organização: diretores, gerentes, líderes e encarregados dos setores, equipes e colaboradores em geral – desde açougueiros, peixeiros, padeiros, cozinheiros, confeiteiros; balconistas das diversas seções; repositores, caixas, até, por exemplo, os responsáveis pela limpeza do chão da loja, empacotadores e seguranças… absolutamente todos são importantes nesse processo.
Um bom treinamento dos funcionários, que ofereça o pleno conhecimento dos protocolos higiênico sanitários vigentes, e que ensine e incentive a eficiência operacional com boas práticas de manipulação e manuseio dos alimentos perecíveis, é indispensável para a formação dessa cultura. Pois esta é forma de conscientizar os profissionais e preparar as equipes para que tenham comprometimento e responsabilidades frente às normas e legislações a serem seguidas.
Trocando em miúdos, o engajamento de gestores e todo o quadro de pessoal na filosofia do “não ao desperdício” e cuidados na preservação da qualidade e segurança dos alimentos é fundamental na meta de se inibir as perdas onerosas, e se conseguir melhores ganhos e benefícios para todos.
Boas Práticas (BPS)
As Boas Práticas (BPS) são as condições operacionais e ambientais básicas necessárias para a produção de alimentos seguros e saudáveis. Elas podem ser definidas como um conjunto de procedimentos que devem ser adotados pela cadeia de estabelecimentos que produzem, manipulam ou comercializam alimentos. É importante dizer que todos os segmentos dessa cadeia produtiva devem fornecer as condições necessárias para proteger os alimentos enquanto estiverem sob seu controle. O setor supermercadista, que tem um grande peso nessa cadeia como o maior varejista de alimentos aos consumidores, tem também a responsabilidade à altura da sua importância.
O grande risco no tratamento dos alimentos, é claro, são as DTAs (Doenças Transmitidas por Alimentos), que representam uma grande ameaça à saúde pública, ao comércio e à economia dos países.
Como se sabe, há diferentes denominações às BPS, de acordo com a sua aplicação nas etapas dessa cadeia, tais como: Boas Práticas de Fabricação (BPF), Boas Práticas de Higiene (BPH), Boas Práticas de Manipulação (BPM), Boas Práticas de Produção (BPP) e Boas Práticas Agrícolas (BPA). Os varejistas conhecem muito bem essas siglas, pois têm que seguir à risca as regulamentações do seu comércio, nelas baseadas.
No Brasil, os principais órgãos do governo envolvidos com a segurança dos alimentos são a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento), os quais ditam normas e regras, a maioria delas fundamentada nas BPS.
Por isso mesmo, é crucial que o setor compartilhe as boas práticas com os seus colaboradores, com o objetivo de garantir a qualidade higiênico-sanitária e a conformidade dos alimentos com a Legislação Sanitária do país, evitando assim multas por descuidos e violação às leis, desperdícios, perdas e contaminações.
Mais ainda, saber das boas práticas e ter conhecimento geral sobre o assunto, como dissemos, faz parte do processo de conscientização do pessoal. Por isso mesmo, vão aqui alguns dos inúmeros temas que podem ser apresentados e desenvolvidos em um treinamento de funcionários, com sugestões inspiradas em cursos promovidos pela APAS (Associação Paulista de Supermercados) para o setor:
*Legislações Sanitárias;
*Código Sanitário Estadual;
*Leis Sanitárias Municipais;
*Definição de Alimento Seguro;
*Contaminação dos Alimentos;
*Definição de Contaminação Cruzada dos Alimentos;
*Recebimento e Armazenamento de Alimentos;
*Limpeza e Higienização dos setores;
*Higiene Pessoal/Asseio Pessoal/ Hábitos Inadequados;
*Postura e Segurança na Manipulação de Alimentos como
Carne, Peixe, Frios, Laticínios, Frutas, Legumes,
Verduras, Pães e Doces;
*Limpeza e desinfecção de Equipamentos, Utensílios e instalações;
*Segurança dos Alimentos e Noções de Microbiologia, para controle adequado da Temperatura dos Alimentos;
*DTA (Doenças Transmitidas por alimentos), ou Toxinfecção Alimentar;
*Manipulação de Alimentos, Exposição, Embalagens e Rotulagem;
*Uso de jogos e dinâmicas sobre as boas práticas, para a conscientização das equipes.
Equipe de Prevenção de Perdas
Embora a responsabilidade pela prevenção de perdas ser de todos coletivamente, e de cada um em particular, a criação de uma equipe destinada à supervisão diária e permanente do estado das mercadorias é sempre bem-vinda, principalmente nos médios e grandes supermercados.
Checagens como datas de validade e expiração de prazos dos produtos, conservação e inviolabilidade das
embalagens, refrigeração e temperaturas adequadas de conservação, organização correta nas gôndolas, prateleiras e geladeiras e o monitoramento (Check List) diário das operações de boas práticas. Tudo isso é tarefa básica de uma equipe ou departamento de prevenção de perdas.
Também a troca de mercadorias é um ponto importante que essa equipe de perdas tem que ter no seu radar. Elas são frequentes, acontecem regularmente e deve-se checar as condições dos produtos quando chegam para troca. Foram violados? Estão dentro do prazo de validade e perfeitos para voltarem às prateleiras? Tem que se agir rapidamente na volta dos produtos para a venda ou para o descarte, se a qualidade estiver duvidosa.
Foco no Hortifruti!
São muitos setores que lidam com perecíveis, nos supermercados. Mas a seção do Hortifruti tem lugar de destaque: é a feira do consumidor, transportada das ruas para dentro das lojas supermercadistas.
Frutas, legumes e verduras são um carro-chefe de vendas, mas também os mais preocupantes quanto à rápida deterioração e vigilância sanitária rigorosa sobre eles. Tudo tem que estar fresco, com ótima aparência, a variedade tem que ser grande e as quantidades também, e a limpeza e a organização devem estar impecáveis. O consumidor nem pode imaginar a logística que há por trás disso tudo, quando encontra a seção em perfeitas condições.
Mas, nos hortifrutis os cuidados têm que ser redobrados: eles podem ser contaminados facilmente, as compras em excesso são perda na certa e os fornecedores, recebimento, armazenamento e rápido giro são muito importantes para se manter tudo saudável.
Açougue, peixaria, laticínios, confeitaria, freezers e geladeiras também são alvo de grandes perdas com seus perecíveis, e merecem cuidados especiais para se evitar problemas com seus produtos. A verdade é que fatos preocupantes quanto aos perecíveis são muitos. Quantos consumidores desistem da compra e abandonam esses produtos nos caixas ou em lugares sem refrigeração? Por quanto tempo essas mercadorias ficam à deriva na loja? Isso não pode acontecer: se largados, devem voltar rapidamente aos seus lugares.
Estagiários podem ser ótimos nessa função de “catadores de produtos perdidos” nas lojas, em tempo hábil e com a maior esperteza: são ágeis, dispostos e têm físico para correrem de lá para cá. Podem ser uma ótima opção para se resgatar a tempo os produtos descartados fora da refrigeração, e impedir essa perda com a sua deterioração. É uma medida fácil que pode acabar com esse prejuízo diário. Nesse sentido, estagiários são um ótimo investimento e vale apostar neles.
Qualidade dos Fornecedores e Cuidados no Recebimento
As perdas com perecíveis estão diretamente ligadas com a origem dos produtos (fornecedores), os cuidados no seu transporte para os supermercados e o recebimento adequado nas lojas.
Portanto, a preocupação com a qualidade dos fornecedores, principalmente de hortifrutis, deve ser máxima. Deve-se conhecer de perto quem são, onde e como produzem ou recebem essas mercadorias. Como é o sistema de higiene desses produtores? Eles têm credibilidade no setor? Se responsabilizam por produtos que possam chegar sem o padrão exigido de refrigeração ou não estão frescos como deveriam? Entregam no tempo solicitado? A aparência e gosto das frutas, verduras e legumes fornecidos são ideais e os clientes aprovam?
E os produtos perecíveis industrializados? Os fabricantes entregam tudo recém produzido, com data recente de validade, sem avarias e dentro das exigências sanitárias?
Se os fornecedores estão dentro dos conformes, não se pode correr o risco de perdas com perecíveis no item recebimento dos produtos. Organização, pessoal super treinado, checagem das condições de chegada das mercadorias, rapidez no deslocamento e armazenamento nos estoques, manutenção da refrigeração adequada até os estoques, cuidados para que nenhum produto sofra qualquer estrago nesse estágio…tudo isso e mais um pouco deve ser observado na chegada das compras.
Auditorias Internas
Para se descobrir a origem das perdas e se propor ações, soluções e melhorias, também são necessárias auditorias internas e inventários cíclicos.
Com o suporte da tecnologia nas operações e cruzamento de dados, bem como da equipe de prevenção, esse trabalho pode ser muito mais rápido e objetivo. Aqui vale dizer que tempo é sinônimo de assertividade no caso dos perecíveis.
Tecnologia como aliada
Hoje em dia é impensável qualquer negócio, mesmo que pequeno, funcionar sem a utilização básica de computadores e internet. No entanto, essa revolução tecnológica tomou vultos estratosféricos na complexa cadeia de operações do setor supermercadista.
Essa ferramenta veio não só auxiliar, como possibilitar ao comércio varejista ser o que é hoje, com o aprimoramento dos seus processos logísticos, financeiro e de segurança, que exigem alto nível de integração e comunicação eficiente.
E no combate às perdas ela é fundamental, com os softwares específicos para os controles de todas as execuções e cruzamento de dados – de compras, entradas, estoques, vendas, saídas e checklists (inventários) de mercadorias -, que permitem detectar qualquer problema no destino dos produtos.
Portanto, lançar mão da tecnologia e investir em bons programas é ponto crucial na prevenção de perdas em geral no varejo, especialmente nos perecíveis que merecem maior enfoque.
Organização nos Estoques e na Lojas
É muito comum perdas de produtos, principalmente dos perecíveis, por pura falta de organização nos estoques e lojas dos supermercados. Isso porque, como é sabido, os produtos precisam ser alocados de maneira lógica, tanto quando armazenados ou já nas prateleiras.
A técnica do PEPS – primeiro que entra é o primeiro que sai – deve ser rigorosamente seguida. É a antiga fórmula de os produtos recém-chegados e com validade mais atual serem colocados atrás dos que chegaram antes. Assim, a armazenagem nos estoques e a reposição nas lojas devem sempre impedir que as mercadorias mais antigas fiquem “escondidas” atrás das mais novas. A falta desse cuidado básico é motivo de altas perdas nos perecíveis.
Cabe às equipes de prevenção fiscalizar e supervisionar se os responsáveis pela organização dos estoques e repositores das lojas estão cumprindo essa rotina diariamente.
Gestão de Compras, Estoques e Reposição
Comprar produtos a mais do que o necessário é um verdadeiro tiro no pé para o varejista, ainda mais quando são os perecíveis. Isso pode acontecer quando a previsão de vendas não se torna uma realidade. E mesmo o supermercadista conhecendo bem o fluxo da sua clientela, isso pode acontecer em várias situações.
Por exemplo: eventos especiais, datas comemorativas e feriados podem ser uma armadilha e representam períodos críticos para perdas no setor – o consumo tanto pode subir quanto cair significativamente, nessas ocasiões. Também quando acontece qualquer impacto econômico, que diminua abruptamente o poder de compra das pessoas, fatalmente haverá prejuízos no comércio e produtos perecíveis podem ser perdidos.
Outras situações inesperadas, como foi a pandemia, podem ser desafiadoras na gestão de compras, estoques e reposição de produtos. Nesse caso o consumo aumentou, mas a logística do setor se voltou para o e-commerce e as entregas em casa. Da noite para o dia os varejistas tiveram que atender àquela demanda externa, onde os hortifrutis e perecíveis eram muito solicitados, os cuidados com eles dobraram e as perdas também.
Na verdade, mercadorias não podem sobrar (nem faltar), e devem ser repostas nas lojas no tempo certo de se manter sempre cheias as prateleiras, mas sem desperdícios. Esse time (tempo certo) ideal no fluxo do entra, armazena, repõe e vende é bastante complexo, e nada como a automatização dos processos para se fazer só compras necessárias e manter estoques enxutos. Para os perecíveis, sobretudo, essa regra vale ouro para se evitar perdas e aumentar a rentabilidade nos supermercados.
Conclusão
Diminuir as perdas com perecíveis deve ser uma meta urgente no setor supermercadista, uma vez que elas representam o maior ralo de prejuízos nas quebras operacionais.
Portanto, se o problema não for subestimado e atacado de frente, em pouco tempo o varejista poderá ver a balança financeira do seu negócio pender mais forte para o aumento de lucros, e ter o sonho de maior rentabilidade alcançado. Que tal seguir o passo a passo e experimentar?