A venda de produtos vencidos é considerada crime, mas iniciativas da indústria e de associações do setor afastam esse perigo da realidade das lojas
Após o consumo de biscoitos recheados, um rapaz precisou ser hospitalizado por infecção alimentar. O motivo da complicação foi a validade expirada dos produtos, que haviam sido adquiridos em um supermercado. Além do trauma do cliente, o estabelecimento precisou arcar com indenizações na casa dos R$ 10 mil, gerando impacto no faturamento e na reputação do ambiente. Casos como esses não são incomuns e locais como supermercados, que comercializam grandes quantidades, estão sujeitos a situações desta natureza se não darem a devida importância ao armazenamento de suas mercadorias.
Está na lei: vender produtos fora do prazo de validade é crime inafiançável e pode render pena de até cinco anos de detenção para o responsável pelo supermercado, além de multa. Para evitar esse cenário, é importante que os gestores se atentem para tornar o estoque eficiente. Isso desde a entrada das mercadorias até a saída, antes do vencimento. O primeiro passo é entender bem o giro dos produtos, pois conhecer bem os hábitos dos clientes ajuda a montar um armazenamento coerente com o fluxo de vendas, sem guardar itens em quantidade além do necessário e que, em algum momento, irão perecer.
Além dessa inteligência, é preciso criar mecanismos para identificar quais mercadorias vão vencer antes. O responsável pelo estoque pode fazer este controle a partir de planilhas automatizadas que cruzam os SKUs ou a partir de processos manuais, que usam etiquetas coloridas, por exemplo. Existem diversos programas que auxiliam nesta etapa, cabendo ao supermercadista entender qual se adapta melhor à rotina da loja.
Uma vez adquiridos, é preciso saber como liberar para venda. Para isso, vale seguir o método PEPS (Primeiro que entra, Primeiro que sai). Nessa lógica, aqueles produtos que chegaram antes, devem ser expostos para venda primeiro. E, uma vez à disposição dos clientes, os estoquistas devem ter na rotina a conferência dos produtos de validade do setor em que atuam, em especial aqueles de baixo giro. Cabe ao estoquista também organizar as prateleiras de forma com que os produtos mais próximos do vencimento estejam a frente, deixando para o fundo aqueles mais distantes do prazo final. O consumidor tem o hábito de sempre pegar os produtos mais próximos deles.
E, se ainda assim, alguns produtos tiverem dificuldades na saída, é possível lançar promoções com preços bastante atrativos para estimular esta compra. Pode-se destacar um espaço do corredor para estes itens, com sinalização específica. Também é interessante cadastrar quais clientes se interessam por produtos nestas características. Trabalhar ações em comunicação para este público pode aumentar o ticket médio de compra e a frequência de clientes nos estabelecimentos.
Ambiente exclusivo dos “vencidinhos”
Os produtos com prazo de validade próximo têm tido bastante procura por parte dos consumidores. Especialmente em época de inflação alta, os preços baixos viraram um atrativo para supermercados específicos deste nicho. Os “vencidinhos”, como são chamados estes artigos, compõem o mix de produtos de duas redes: o MegaMix e o Supermercado Vanessa. Os descontos nesses pontos chegam a até 90% em comparação ao mesmo produto que levará mais tempo para estragar. Vale reforçar que tudo o que é vendido neste modelo de supermercado está seguro e saudável, a única questão é que o consumo deverá acontecer em poucos dias.
E não é apenas no ambiente físico que os “vencidinhos” estão em alta. Já existem aplicativos que conectam as indústrias aos varejistas com produtos essencialmente próximos da data de validade. É o caso do Souk, que atua no Brasil desde 2018 e possui mais de 23 mil comerciantes cadastrados. São mais de 2,5 mil toneladas de produtos comercializados todos os meses. O SuperOpa e o B4wast seguem a mesma proposta. Essas ferramentas, além de solucionar um problema da indústria, conseguem entregar ao cliente final descontos que chegam a 70%.
De Olho na Validade
Para chamar a atenção de empresários e clientes sobre os riscos dos alimentos vencidos, a Associação Paulista de Supermercados (APAS), em parceria com a Fundação Procon-SP, lançou, em 2011, a campanha “De olho na validade”. Esta iniciativa permite que, caso o consumidor encontre um produto fora da data de validade nas lojas associadas, tenha direito a levar o mesmo produto, dentro da validade, gratuitamente.
O objetivo da parceria é encontrar mecanismos de maior controle para a questão dos produtos com prazo de validade vencido que possam ser encontrados nas gôndolas dos supermercados. A APAS então buscou, junto ao órgão de defesa do consumidor, avançar em discussões que resultassem em ações favoráveis ao cliente final e que trouxessem melhorias na prestação de serviço.
A associação disponibilizou em seu portal diversos materiais para aplicação nas lojas que participam da ação. A iniciativa, que existe há mais de 10 anos, é uma importante ferramenta para garantir a segurança alimentar dos clientes.
Outras instituições têm buscado novas formas de amenizar a questão. É o caso da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA), que quer repassar ao consumidor final a avaliação do alimento antes do consumo, mesmo após o prazo de validade expirar. A recomendação da ABIA é que o cliente avalie o cheiro, a aparência e as características de produtos industrializados.
A questão não é simples, pois precisa de aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Segundo reportagem do Uol de dezembro do ano passado, a ABIA ainda não apresentou um pedido formal ao governo.
Apesar de ainda estar em discussão, o ministro da economia, Paulo Guedes, também de acordo com a reportagem, anunciou um grupo de trabalho para analisar a proposta de flexibilização da atual legislação sobre o prazo de validade de alimentos no Brasil.