Foi praticamente da noite para o dia. Em uma velocidade nunca imaginada, o mundo – literalmente – incorporou à rotina hábitos sequer imaginados. Isolamento social, máscaras quando era essencial sair de casa, aplicação de álcool em gel constantemente, limpeza das compras, reunião de amigos só virtualmente, novidades que perduram até hoje. As nossas práticas mais comuns tiveram que ser repensadas e, com isso, produtos e serviços tiveram que se adaptar em tempo recorde a uma realidade desconhecida para todos. Nesse contexto, quem foi a salvação de muitos setores do varejo foi a tecnologia.
Do início da pandemia para hoje, a venda de produtos online só aumenta. No primeiro semestre de 2020, quando a crise do Coronavírus pegou de surpresa o mundo, o Brasil registrou 41 milhões de consumidores virtuais de acordo com relatório Webshoppers, da Ebit/Nielsen. Esse número é 40% maior do que o mesmo período de 2019 havia registrado. Os dados da Receita Federal confirmam o boom do e-commerce: o volume de vendas no varejo virtual foi 45% maior neste mesmo período.
Para se ter ideia, a Social Miner, companhia especializada em dados de comportamento, identificou que 2020 foi o ano da primeira compra online para 20 milhões de brasileiros. A empresa também avaliou que 29% dos consumidores de supermercado e hortifrúti pretendem comprar online e off-line em 2021. Em 2019, esse percentual não passava de 13%. E a tendência segue em alta. Em abril deste ano, o indicador Mastercard SpendingPuls constatou que o aumento do e-commerce brasileiro foi de 69% em comparação ao mesmo mês de 2020. A cada ano as vendas online no varejo saltam 49% em média.
Os números confirmam a realidade. O publicitário Igor Francisco foi um desses consumidores que repensou a forma de abastecer sua casa. Ele viu no e-commerce uma solução para dois problemas: sair do isolamento social e ir às compras em uma cidade nova. “Me mudei no auge da pandemia, então, pedir tudo por aplicativo foi uma forma de me manter seguro em casa, especialmente em um cenário em que desconhecia minha nova vizinhança”, relata Francisco.
Mesmo os artigos de maior resistência para compras online ganharam força nos últimos anos. Não à toa, gigantes em marketplaces como Magazine Luiza e Americanas implementaram groceries em seus canais de venda, no modelo em que já faziam startups como James, iFood, Rappi e Cornershop. De acordo com o portal “Ecommerce Brasil”, o Mercado Livre, o maior marketplace da América Latina, começou a vender itens de supermercados em abril de 2020 e em setembro daquele ano o mix já ultrapassava 30 mil produtos.
A Shopper é outro exemplo de que compras em mercados online tem um futuro promissor. A startup anunciou mês passado aporte de 120 milhões de reais na plataforma. E a tendência é aumentar a participação nos negócios, já que a cada quatro meses a empresa dobra em tamanho e faturamento.
O desafio da experiência
Apesar do lucro das vendas online serem ainda menores do que os de lojas físicas, os gestores já perceberam que o e-commerce é um ambiente cada vez mais atrativo para o consumidor. Por isso, as estratégias digitais ganharam força e ampliaram a atuação de profissionais de tecnologia da informação para suprir demandas antes pouco existentes, criando uma corrida pelo ambiente online, como relata o mentor de tecnologia e inovação Anderson Martins, atualmente Head de TI do Supermercado Violeta.
Ele explica que a pandemia fez com que pequenos e médios players acelerassem as soluções em tecnologia, o que ampliou a oferta de compras virtuais. “Foi uma situação forçada porque o shopper não teve escolha. O obstáculo era levar a presença física para o digital, barreira que foi superada pela imposição do isolamento social. O desafio agora é qual a experiência que o gestor vai entregar para o cliente. No começo da pandemia, ele aceitava as opções que tinha e tolerava até atritos nas plataformas, agora ele está mais seletivo”, explica o mentor.
Fundamental para um bom UX (experiência do usuário), é preciso que o processo seja fluido e sem falhas ou demoras, pois, caso isso aconteça, a tendência é de abandono. Quanto mais simples, rápido e fácil, maior a chance de conversão. “Se você precisa explicar como funciona a plataforma, já existe algo errado”, explica Anderson.
Em busca de profissionais
Anderson conta que, para entregar o produto certo com a melhor experiência, foi preciso buscar mão de obra com esse conhecimento, o que se mostrou uma dificuldade, já que o mercado ainda não teve tempo de formar esse profissional. “A realidade adiantou muitas etapas de inovação inclusive para quem trabalha na área. Se você procura por um gerente de e-commerce com cinco anos de experiência, vão ser poucas as opções. É um nicho ainda em formação que passa até por uma crise de identidade, que precisa deter conhecimentos técnicos e de mercado”, pontua.
Ainda sobre o perfil desse profissional, o especialista acredita que quem atua no ramo de TI hoje precisa desenvolver novas competências. Ele destaca habilidades em comunicação e também em empreendedorismo. “É preciso estar inserido em discussões que envolvam marketing e serviço, além de facilidade em se inserir em diversas áreas do negócio, especialmente em um momento em que se espera velocidade nas entregas”, acredita Anderson.
Para ele, há uma fusão entre especialistas de marketing e TI, pois a criação de serviços digitais envolve esses dois perfis. É natural, para o mentor, que essas áreas encontrem um mínimo comum para desenvolver soluções que vão ao encontro da necessidade do cliente. “A dinâmica acelerada do varejo não permite projetos inovadores que demandam muito tempo de implementação. O que se levava um ano antes, hoje leva três meses”, explica.
Carência em soluções médias
Os grandes players do varejo encontram em mercados maduros, como os Estados Unidos, muito mais opções de produtos digitais. Em países como o Brasil, a inovação avança na medida em que os problemas exigem soluções. Por essa razão há uma carência de empresas que preenchem uma lacuna que fica entre os grandes conglomerados e startups pequenas que atuam em processos pontuais do negócio. São exatamente essas empresas, que ocupam essa faixa do meio, que têm brilhado os olhos dos investidores no nosso país.
As grandes companhias, que possuem capital exclusivo para tecnologia, já lançaram mão de soluções que melhoram substancialmente suas operações. Recursos como big data, inteligência artificial, machine leraning e chatbot são ferramentas que ganham aderência, pois permitem converter compras virtuais com muito mais conhecimento do shopper. Pequenas e médias empresas, por outro lado, muitas vezes não possuem estrutura ou profissionais para implementar tantas soluções. Por ser um valor intangível de resultado, o empresário muitas vezes não consegue avaliar o retorno do investimento.
Exemplo de quem tem, aos poucos, ampliado a presença online é a RedeMix, grupo baiano que possui 14 lojas em Salvador e região metropolitana. A rede tem olhado cada vez mais para o atendimento ao consumidor aliado à tecnologia, por isso, criou uma persona para interagir nos canais de atendimento por meio da inteligência artificial. Chamada Rê, o chatbot realiza delivery, SAC e promove ofertas em todas as plataformas de comunicação em que a marca atua.
Diante de tanta evolução, é preciso lembrar que, apesar do meio e das técnicas aplicadas, toda a inovação deve ter foco nos negócios e no cliente. É preciso sempre lembrar que são pessoas que farão uso dessas ferramentas, por isso, ela precisa servir de auxílio para todo o processo comercial, do pré ao pós-venda com o objetivo de tornar a rotina do shopper cada vez mais objetiva e dinâmica, seja em tempos de pandemia ou não.