Como entender e administrar o problema, reverter desgastes e aproveitar os conflitos para o crescimento humano e da produtividade nos supermercados.
Os relacionamentos no mundo corporativo estão intimamente ligados aos sentimentos, valores, caráter, cultura e personalidade de cada pessoa que compõe a estrutura organizacional de uma empresa. Isso é lógico e compreensível, pois cada função é exercida ou comandada por um ser humano, cada um com uma bagagem de vida, emoções e pontos de vista diferentes. É a individualidade de cada um inserida em um todo comum, que precisa funcionar em harmonia.
Mas é evidente, em se tratando de pessoas com pensamentos, atitudes e estilos diferentes, que não é fácil tocar essa banda sem destoar do tom da boa vizinhança. E desafinar, nesse sentido, é o surgimento de conflitos inevitáveis – entre pessoas, grupos e equipes em qualquer ambiente de trabalho. Seja pequeno, médio ou grande, qualquer escritório, comércio ou empresa está sujeito ao clima tenso e pesado que esses conflitos deixam no ar.
Disputas, fofocas, boicotes, puxadas de tapete e comportamentos não colaborativos entre funcionários, acarretam, sem dúvida, prejuízos ao funcionamento de qualquer negócio. Mas o olhar só negativo aos conflitos também pode ser um erro de visão, pois o foco, nessas horas, tem que ser ampliado com a lente de estratégias inteligentes – tanto para mudanças administrativas, quanto para a melhoria na gestão de Recursos Humanos, que podem, em contrapartida, trazer benefícios, crescimento e novos horizontes aos colaboradores, gestores e corporações.
Os Conflitos nos Supermercados
Comuns em todas as empresas, os conflitos entre os colaboradores supermercadistas são um grande desafio para o setor. Isso porque, geralmente, o quadro de pessoal nesses estabelecimentos é grande, o número de equipes é elevado, a convivência dos funcionários é muito próxima, o stress com atendimento contínuo ao consumidor é alto, a correria é um fato sempre presente, o ambiente não permite extravasar nervosismo, as cobranças são intermitentes, o trabalho da maioria é realizado em pé durante horas, os produtos têm que ser repostos continuamente, e tudo tem que estar no lugar certo enquanto tudo é tirado do lugar o tempo todo.
Este é apenas um pequeno cenário dos supermercados, onde pessoas de carne, osso e emoções trabalham diariamente. É claro que conflitos acontecem, desde pequenas rusgas até grandes discussões, e demissões. Mas também o controle é admirável, ficando nos bastidores e não públicas as tantas desavenças.
Nesses tempos de pandemia, sobretudo, quando esse tipo de comércio foi um dos únicos a permanecer aberto, com uma demanda aumentada, maior trânsito de pessoas, a necessidade de mais pessoal para o atendimento, e mudanças na rotina para a implementação dos cuidados sanitários, fica fácil concluir que as tensões bateram recorde.
Sendo um setor que, historicamente, sofre com a alta rotatividade, todos esses fatores acendem a luz vermelha quanto ao nível de eletricidade nos relacionamentos dos seus colaboradores. Em linhas gerais, nunca se deve jogar as desavenças para debaixo do tapete, fingindo que elas não existem.
É preciso, ao contrário, identificar a origem do conflito e os envolvidos, fazer a apuração dos fatos, não fazer julgamentos precipitados e parciais, ouvir as partes individualmente e suas versões, não tomar partido, tomar decisões com a razão e não com a emoção, buscar saída no meio termo e na integração, estimular o diálogo entre os afetados, e equilibrar os impasses – para não prejudicar os relacionamentos e comprometer a produtividade.
Essas são dicas que podem ser seguidas tanto pelo mercadinho da esquina, com pouquíssimos funcionários, quanto pelas grandes redes. Entretanto, quanto maior for o supermercado, o nível dos conflitos e seus problemas também aumentam. É daí que entramos com o profissionalismo da área de Recursos Humanos, especializada na gestão de conflitos e com instrumentos e orientações importantes, os quais podem servir de leme para todos os supermercadistas.
Os Conflitos e suas Raízes
De acordo com o dicionário Aulete, o conceito de conflito é a “oposição de ideias, sentimentos ou interesses”. Portanto, é natural e esperado que dentro das empresas os conflitos aconteçam entre pessoas, grupos, equipes, ou gestores e subordinados.
Basicamente, essas divergências podem ser de ordem pessoal, interpessoal, organizacional ou externa:
– Pessoal: quando problemas pessoais de um ou mais colaboradores acabam contaminando o ambiente e os demais;
– Interpessoal: entre duas ou mais pessoas, grupos ou equipes, quando a alta competitividade, falta de integração, conceitos diferentes e desconexão com o todo causam intrigas, discussões e desordem pontual ou geral;
– Organizacional: quando mudanças necessárias na empresa causam descontentamento entre alguns ou muitos dos colaboradores, ou problemas de gestão da empresa interferem no seu bom funcionamento;
– Externa: quando, por exemplo, fatores externos à empresa, como a situação econômica do país ou alguma regulamentação interferem negativamente, afetando as estruturas do negócio, o psicológico e o financeiro das pessoas.
Quanto aos conflitos causados por falhas organizacionais, ligadas à administração das empresas, todo empreendedor deve estar atento aos erros mais comuns, apontados por especialistas, como os maiores geradores de confusão e discórdia no quadro de pessoal. São eles:
1- Falhas na Comunicação Interna: quando informações desencontradas geram múltiplas interpretações e provocam desentendimentos;
2- Ausência de Processos: quando metas, atividades e funções não são bem definidas, deixando o pessoal perdido quanto às suas obrigações;
3- Clima Organizacional Ruim: quando não há investimento em ações e estratégias que contribuam para uma relação saudável entre os colaboradores;
4- Resultados Insatisfatórios: quando não se atingem metas e objetivos, causando desapontamento no trabalho;
5- Desmotivação: quando não há incentivos para o pessoal dar o melhor de si na sua função;
6- Falta de Foco: quando não há direcionamento nas metas pretendidas pela empresa;
7- Desvalorização do Funcionário: quando a empresa não prestigia o trabalho de seus colaboradores, fazendo-os sentir sem importância e revoltados.
8- Escassez de Recursos: quando a situação financeira da empresa é ruim ou instável, sem investimentos no pessoal, desmotivando os funcionários.
Gestão de Conflitos
Uma coisa é certa: os conflitos nas empresas existem, portanto precisam ser administrados, ou cortados pela raiz, ou aproveitados para que mudanças sejam feitas nas ações de comando do negócio, na estrutura de Recursos Humanos, ou na atenção particular a um problema específico. Agir é preciso!
Partindo do princípio dessas diferenças entre as pessoas, o primeiro passo no combate aos conflitos é a busca por um denominador comum, capaz de ser em elo entre elas. E esse denominador comum é a própria filosofia da empresa que, através de seus valores, visão, missão, metas e objetivos, deve ser transmitida e assimilada pelos colaboradores que dela fazem parte.
Motivados por esse ideal conjunto, e ajustados com ferramentas de RH – como treinamento, incentivos, cursos de capacitação, possibilidade de carreira, benefícios, estímulos à interação saudável e amigável, e um ambiente criado de cooperação -, o terreno fica preparado para o engajamento fundamental dos funcionários. É nesse campo fértil que se formam times fortes e vencedores, pois já não sobra tanto espaço para picuinhas pessoais, acirramento entre grupos e guerra entre equipes.
A gestão de conflitos é uma área de Recursos Humanos que, para ser assertiva nas médias e grandes empresas, exige a contratação de profissionais, ou de um departamento específico de RH na condução desses problemas. Nas pequenas e microempresas, no entanto, como os pequenos e minimercados, os próprios gestores assumem essa função. Mas as características dos conflitos são as mesmas, e cabe a cada um adaptar as ações compatíveis ao tamanho do seu negócio.
O poder da Comunicação e dos Líderes nesse Combate
Se a filosofia da empresa a ser adotada por todos é o ponto de partida, a transmissão desses princípios é, portanto, fator básico. Ou seja, o poder da comunicação no combate aos conflitos é imenso: ela deve ser clara e eficiente para ser bem entendida, e verdadeira e envolvente a ponto de conseguir engajar os colaboradores.
Mas, além de passar os valores fundamentais da empresa, a comunicação interna é responsável pela divulgação e informações corretas sobre os mais diversos processos a serem realizados. Bem-sucedida, essa tarefa evita os ruídos e distorções que causam muitos dos desentendimentos. É mais um grande passo no combate aos conflitos.
E nessa área da comunicação empresarial, os líderes são os principais personagens. São eles que estão à frente dos grupos e equipes, transmitindo comandos, metas e motivando o pessoal. São eles o canal de comunicação entre gestores e colaboradores, e os responsáveis pelos feedbacks que apontam problemas e promovem soluções. As lideranças fortalecem os relacionamentos.
Nos supermercados e hipermercados, as lideranças são protagonistas na arte de dissipar conflitos na medida em que têm que harmonizar várias equipes ao mesmo tempo, que coabitam o mesmo espaço com funções e atividades diferentes, produtos e mercadorias diversos, e grande volume de gente no chão da loja. Os imprevistos são diários e os desafios são constantes na manutenção de um clima agradável para bem servir o consumidor.
Novos Horizontes para os Conflitos
Sabendo que o conflito entre os colaboradores nas empresas tem várias vertentes, a Revista Checkout foi ouvir uma profissional no assunto, capaz de ampliar horizontes e clarear ideias no entendimento e busca de soluções para esse problema.
Denise Monteiro é especialista em Comunicação e Psicologia Organizacional, tendo atuado em grandes organizações como Rede Globo de Televisão, Unilever e Tetra Park. Atualmente é assessora de aprendizagem e bem-estar no INSPER e professora de treinamentos nas empresas, pelo Mackenzie. Ministra palestras, cursos e treinamentos na área de comunicação, comportamento, psicologia organizacional, prevenção e gerenciamento de crise corporativa.
Com essa expertise, Denise Monteiro contribui com as seguintes considerações sobre o tema, aos leitores supermercadistas:
“Em virtude da evolução tecnológica, os colaboradores passaram a desempenhar mais funções dento da mesma carga horária de trabalho. A maioria atua dentro de um sistema de metas que muitas vezes podem não estar alinhadas entre si. Cada profissional sempre dará preferência a cumprir sua própria meta, deixando às vezes de auxiliar algum colega. Este ambiente é propício para o surgimento de diversos conflitos.
Segundo um estudo do Fórum econômico da ONU, de 2020, a primeira habilidade que se espera do profissional do futuro é a capacidade de lidar com a “solução de problemas complexos” (tenho um vídeo no Youtube sobre esta habilidade). Portanto, o profissional que souber lidar bem com conflitos é mais interessante para as organizações, uma vez que os problemas serão cada vez mais crescentes.
Nesta época de pós-verdade que estamos vivendo, todos temos uma opinião formada sobre tudo. O problema é que as opiniões podem ser divergentes ou baseadas em achismos. Logo, a capacidade de argumentação precisa ser desenvolvida. Não basta ter uma opinião. É preciso sustentá-la com base em fontes seguras, para que o poder de convencimento seja estruturado. O importante não é vencer uma discussão. O importante é encontrar o melhor caminho para a organização.
Logo, quando os interesses são divergentes, o início do diálogo, do entendimento, deve ser alinhado com os interesses em comum dos lados envolvidos. A pergunta que precisa ser feita em um conflito é: qual é o interesse da organização? O que é melhor para empresa?
O contexto do conflito é mais complexo do que parece ser. É preciso trabalhar o autoconhecimento nos colaboradores, para que eles identifiquem os seus próprios gatilhos em relação aos conflitos. Este é o início de um trabalho de inteligência emocional.
Vale dizer também que não adianta fugir do conflito para aguardar que ele se resolva sozinho. Pois ele é como uma massa de pão: enquanto parece quietinho, na verdade está crescendo. É preciso proatividade.”
Conclusão
Encarar os problemas de frente é sempre o melhor caminho nas mais diversas situações da vida, tanto no particular quanto na convivência social e organizacional. O ser humano vive em sociedade, e as suas relações no trabalho são essenciais para o seu equilíbrio, seu desenvolvimento na carreira e o crescimento e estabilidade da empresa onde atua.
A ideia do todo fortalece os vínculos entre colaboradores e gestores, e o combate aos conflitos deve ser uma luta constante e conjunta nos diversos setores. E os supermercados, tão presentes e fundamentais no dia a dia das pessoas, têm um peso social muito grande, e muita contribuição a dar nesse sentido.
Pois o tratamento assertivo aos conflitos entre seus colaboradores – com técnica e sensibilidade -, pode ao mesmo tempo integrar pessoas e tirar delas os melhores resultados, promover carreiras e, principalmente, reter muitos dos talentos que trabalham nas inúmeras lojas do setor espalhadas pelo país, com o seu acolhimento em ambientes saudáveis e colaborativos.
A melhoria na produtividade e os lucros também virão, como consequência, na esteira dos caixas desses supermercados alinhados com esses novos, desafiadores e promissores tempos.