Por Elister Rotini
Como seria bom manter o frescor do entusiasmo e o olhar criativo das pessoas, em favor da produtividade em um ambiente de trabalho saudável. É um grande desafio para os supermercados e empresas em geral encontrarem profissionais habilidosos e mantê-los motivados no desempenho de suas atividades a longo prazo.
O que é motivação afinal? Pela morfologia da palavra, motivação é algo que leva alguém a realizar uma ação. É algo que serve de motivo para agir com vontade, emoção, determinação e persistência. Vamos chamar esse algo de objetivo e a ação de percorrer um caminho, ok?
Sendo esse algo o objetivo para percorrer um caminho, obviamente esse percurso precisa ter visibilidade para que mesmo com obstáculos ainda seja possível de andar sobre ele. Tradicionalmente quando dentro das empresas são mencionados os tópicos Meta e Objetivo Geral, algumas pessoas se sentem temerosas por entenderem as metas como audaciosas demais para serem atingidas, mas muitas vezes, é por não visualizarem o caminho até elas. Por exemplo, a área de vendas que precisa bater meta, as áreas de compras e logística para reposição rápida de produtos nas gôndolas do supermercado, Nesse ambiente, muitos se sentem apreensivos com as metas, se autopressionam e se desmotivam até mesmo antes de iniciarem os trabalhos. Porém, se a meta for dividida em várias partes e com a conotação de várias conquistas que gerem reconhecimento imediato ao longo do caminho, ou seja, como se fossem várias “linhas de chegada” ao longo do percurso, cria-se uma mentalidade positiva para realizar ações que favorecem a empresa toda.
A depender do contexto empresarial, o objetivo pode levar outros nomes sem que perca a sua essência, como por exemplo, conquistas, realizações, ou etapas atingidas, pois essas palavras geram a sensação de merecimento, construção, pertencimento e continuidade por fazer o que precisava ser feito dentro da trajetória profissional. Produz satisfação que gera produtividade e cria um ambiente propício para receber ideias inovadoras e criativas. Existe um método ou ferramenta que gere reconhecimento imediato e conduza a empresa até o objetivo? Sim, veremos mais adiante.
Já notou como é a positividade de um colaborador recém-chegado na empresa? Ele venceu o desafio de destacar seu currículo, depois o desafio da entrevista e após ser contratado está disposto a aprimorar todo seu potencial para superar o próximo desafio, que é o período de experiência. Posteriormente ele espera encontrar novos desafios pela frente que o façam se motivar para continuar, porém, quando isso não acontece, o entusiasmo diminui, a evolução fica estagnada e ele não tem mais a chance de entregar todo seu potencial. A partir desse ponto, existe apenas o engajamento transacional baseado nas diretrizes do contrato de trabalho, onde é feito o necessário exigido pelo cargo em troca de benefícios e salário, mas somente isso não garante o “brilho nos olhos” a longo prazo tão desejado pelos empreendedores. É claro que devem estar pensando na estruturação de cargos e salários, sim, isso é muito importante, mas não é a única coisa que conquista e mantem talentos a longo prazo. O percurso da motivação é como se fosse uma pista sinuosa que toma caminhos despertados pelo desejo de conquista, superação, reconhecimento, pertencimento e continuidade evolutiva natural da vida humana.
O turnover ou rotatividade de pessoal é um gargalo que demonstra insatisfação e entre outros impactos, gera o aumento de gastos com treinamento dos novos colaboradores. Manter as pessoas motivadas é fundamental para ter continuidade em treinamentos de atualização, mas que se não houver algo para ser conquistado, o treinamento pode não gerar o efeito de motivar, de encantar o cliente e o conteúdo seja retido por pouco tempo. Além do que, inevitavelmente, se o conteúdo não é colocado em prática, a retenção das informações fica comprometida, pois o próprio nome já diz, treinamento exige treino, exige experiência.
Participar de treinamentos nem sempre é uma atividade empolgante para algumas pessoas, seja um treinamento de qualificação profissional, de atualização técnica, de gestão ou de transição de cargo, é algo que demanda tempo e atenção concentrada. Muitas vezes, algo fica em segundo plano na mente, seja o pensamento no prazo de entrega de um relatório, uma reunião que precisa ser estruturada, ou até mesmo divagando em algo aleatório sem ao menos perceber e, nesse momento, cuidado, os bocejos involuntários podem acontecer. Ao utilizar uma ferramenta de motivação atrelada ao treinamento, faz com que o colaborador deixe de encarar o aprendizado como uma obrigação e passe a encarar o desafio como um jogo saudável, competitivo e recompensador.
Cada indivíduo tem um perfil e uma maneira particular de aprender, para alguns basta apenas ouvir uma orientação, para outros a visualização, mas de maneira geral, quando os campos auditivos, visuais, físicos, sensoriais, culturais e emocionais estão presentes dentro do processo, a assimilação fica mais ativa e a retenção dos conhecimentos é mais sólida, ou seja, a memória poderá ser acessada por um longo prazo. Já ouviu aquela frase, quem aprende a andar de bicicleta jamais esquece? Nesse processo de andar de bicicleta, vários recursos humanos estão altamente ligados, é desafiador e motivador ao mesmo tempo, a cada detalhe melhorado na pedalada a pessoa acredita que pode ir além, ela percebe seu progresso e continua até obter a satisfação de andar bem, sem medo e com equilíbrio. A neurociência explica como o aprendizado fica registrado no cérebro.
Chegou o momento de falar qual é a ferramenta que auxilia as empresas a estimularem motivação, positividade, produtividade e bem-estar entre os colaboradores? Sim, ela é uma ferramenta promissora que está sendo apreciada e implementada por várias empresas, ela se chama Gameficação, ela ocorre por meio do desenvolvimento personalizado de projetos gameficados, ela permite ao colaborador se sentir desafiado ao executar as tarefas, empolgado para descobrir as próximas recompensas que o esperam, ela proporciona uma liberação de neurotransmissores saudáveis que favorecem a convivência em grupo, o bem estar organizacional, a retenção do conteúdo de treinamentos a longo prazo, além de tantos outros benefícios que podem ser alcançados conforme o objetivo desejado.
O que é gameficação?
É o uso de elementos e mecânicas de jogos atrelados ao contexto da estratégia organizacional, que possibilita pessoas a melhorarem seu desempenho e mostrarem sua melhor performance, ou seja, os elementos de jogo são aplicados no mundo real para motivar pessoas a alcançarem objetivos, a mudarem comportamentos, a se manterem engajadas principalmente em objetivos que não se vê resultado de imediato, além de facilitar o processo de aprendizagem em diversas áreas, integrar e multiplicar o conhecimento. Ela torna os resultados mais mensuráveis, representando um crescimento individual e coorporativo ao mesmo tempo, pois os profissionais desenvolvem tanto as habilidades técnicas inerentes as atividades, como também as habilidades subjetivas (soft skills), que são difíceis de serem medidas pela área de recursos humanos, mas possíveis devido a personalização do projeto ao público-alvo.
É importante destacar que a gameficação não é um jogo, pois o jogo tem finalidade de entretenimento, de passar o tempo, assim como um jogo de tabuleiro ou videogame que geram conquistas no jogo em si. O mais antigo jogo de tabuleiro que se tem registro chama-se Senet, foi descoberto em escavações no Antigo Egito a cerca de 4.000 anos atrás, desde lá os jogos acompanham a evolução da sociedade e demonstram sua imensa capacidade de prender a atenção do ser humano. Então por que não utilizar os elementos de jogo com a finalidade de construir soluções no mundo real?
Desenvolver e implementar
O projeto de gameficação pode ser implementada em qualquer setor do supermercado e com os mais variados temas e treinamentos. Pode ser aplicada isoladamente dentro de uma área que requer conhecimentos bem específicos ou com vários setores para favorecer a integração entre as equipes.
A seguir seguem alguns tópicos essenciais a serem considerados para desenvolver e implementar o projeto gameficado:
- Estude profundamente para entender o que precisa ser resolvido dentro da empresa. Segmentar o estudo por departamentos é uma boa abordagem para analisar pontos em comum que precisam ser resolvidos. Pontue tudo que deseja conquistar. Separe essa conquista em várias etapas durante o trajeto e uma métrica de monitoramento para cada uma. Essa será a base para desenvolver todo projeto e por isso precisa estar bem definida.
Exemplos de estudo do que hipoteticamente precisaria ser resolvido:
– Diminuir o turnover no supermercado, evitar gastos com demissão, seleção, contratação e repetir treinamentos para novos colaboradores.
– Multiplicar valores; fortalecer a cultura organizacional; Fortalecer a marca;
– Fixar por mais tempo o conteúdo de treinamentos internos; Treinar em escala toda equipe técnica de uma sessão como por exemplo, açougue e panificação.
– Melhorar a logística de reposição de mercadorias e da entrega;
– Inovar no atendimento ao cliente dentro da loja e na pesquisa de satisfação;
– Melhorar o clima organizacional; Promover espaço criativo e seguro;
– Desenvolver campanhas de incentivo que reforçam os valores da marca da empresa, por exemplo campanhas associadas ao meio ambiente.
- Personalize o desenvolvimento do projeto de gameficação conforme a política e cultura organizacional. Todas as atividades precisam ser coerentes com os valores e a comunicação da empresa. O sucesso de uma organização depende da participação de todos os integrantes dentro de um consenso coletivo e impreterivelmente de que as palavras que norteiam a comunicação representem ações verdadeiras e transparentes aos olhos de todos os colaboradores, em todos os cargos ocupados, para que cada um se sinta parte integrante do caminho evolutivo da organização e reconheça a importância do trabalho de cada participante.
- Estude as caraterísticas dos participantes e os temas mais significativos do seu público para entender o que eles precisam conquistar individualmente e coletivamente, pois há muitos perfis, por exemplo, uns mais propensos a integração, alguns são fortemente competitivos, outros são desbravadores e alguns acumuladores de conquistas. É preciso elaborar o projeto com linguagem clara e objetiva para expor as regras dos desafios e ao mesmo tempo otimizar a convivência com a diversidade para motivar a colaboração em objetivos comuns.
- Entenda como os conceitos da neurociência e da psicologia organizacional podem estar presentes e apoiar cada etapa do desenvolvimento do projeto e do desenvolvimento do adulto.
- Escolha a forma como o projeto será apresentado, sendo na forma digital, off-line ou híbrida que é a mistura das duas. No projeto digital há o desenvolvimento de programas remotos e aplicativos, proporcionando feedbacks imediatos, progressão motivacional visível, participação simultânea de um grupo maior de pessoas, nos treinamentos há o ganho de participação em escala e redução de gastos com aluguel de espaço, com locomoção e remanejamento de escala de trabalho. Há também o uso de recursos digitais adaptados para interagir com o público, mas requerem o trabalho manual de controle de pontos, progressão e atividades dos participantes. A forma off-line, requer o controle manual e pode ocorrer por meio de atividades, dinâmicas e competições desenvolvidas em grupo e individuais, sem o desenvolvimento de um programa ou aplicativo, mas utilizando os elementos e mecânicas de jogos.
- Na implementação, realize testes, monitore, ofereça e receba feedbacks constantes para monitorar as partes do projeto que estão tendo êxito e as que precisarão ser melhoradas, analise o relatório de atividades que foram bem assimiladas e as que precisam de melhoria para definir as futuras ações e estratégias de desenvolvimento. Monitore o tempo de engajamento destinado aos desafios, se os objetivos estão sendo atingidos e se a métrica de monitoramento pré-definida está adequada. Sugere-se realizar testes com pequenos grupos e depois em grupos maiores para que as pessoas entendam a mecânica, tirem dúvidas e ofereçam sugestões. É importante mencionar que para a gameficação trazer os melhores resultados possíveis, os colaboradores convidados participam espontaneamente do projeto.
Elementos da gameficação
Esses elementos são trabalhados dentro do contexto empresarial conforme cada objetivo.
- Pontos – A cada atividade realizada, são atribuídos pontos para o participante ou para equipe.
- Níveis – Servem para mostrar se a pessoa ou sua equipe passou de nível e quais faltam a atingir. Podem ser níveis separados por cor, por letras, por símbolos. É uma forma de equilibrar a competição com equipes do mesmo nível de desenvolvimento competindo.
- Barra de progresso – A imagem dessa barra é a materialização do progresso que vem sendo realizado. A cada atividade concluída, um pedaço da barra é pintado para demonstrar o avanço e o quanto falta para concluir. A plataforma do Linkedin aplicou essa metodologia e conseguiu com que os usuários preenchessem o máximo de informações possíveis, pelo simples fato de completar a barra de progressão. Uma sugestão seria aplicar esse elemento nas pesquisas de satisfação do cliente.
- Ranking – Mostra aos participantes como eles estão progredindo em comparação com outros participantes. É preciso analisar bem esse aspecto, pois é admirável estar entre os primeiros colocados, mas estar entre os últimos pode não ser motivador. Então a sugestão é trabalhar com Ranking de porcentagem para que o participante perceba o seu desempenho em relação à média dos demais, até porque tem pessoas que não gostam de competição. Quando o indivíduo tem um desempenho abaixo do que gostaria e recebe estímulo de melhoria, está desenvolvendo também sua resiliência e a compreensão de que algumas coisas levam mais tempo para acontecer.
- Avatar – Cada membro da equipe tem a possibilidade de escolher um visual que o represente dentro do projeto. Se for uma equipe, podem escolher uma palavra como nome e uma imagem que os representem. Esse elemento está relacionado com o Storytelling, pois supondo que a história ocorra em período histórico específico, a vestimenta e os acessórios do avatar irão se adaptar ao contexto histórico e manter a coerência com os valores e a cultura organizacional.
- Medalhas e conquistas – As recompensas motivam o participante a realizar os desafios e ao mesmo tempo geram o reconhecimento que é convertido em produtividade e o desejo de continuar a conquistar novos desafios. As conquistas podem ser medalhas físicas ou virtuais, acessórios para compor o Avatar, uma rodada chance bônus, pontuação extra, prêmios físicos ou em dinheiro dependendo do progresso e do objetivo.
- Desafios–Com base em objetivos bem definidos é que os desafios são criados dentro do projeto gameficado. Eles precisam ser realistas e possíveis. É importante conhecer o público participante para que o grau de dificuldade não esteja além das capacidades atuais e gere frustração, pois gradativamente o participante desenvolve o seu potencial para avançar de nível. Outro detalhe é manter a conquista desafiadora para gerar satisfação a cada vez que for alcançada, até que a empresa conquiste o que deseja enquanto percorre um caminho mais agradável com todos os colaboradores da organização.
- Feedback instantâneo– Essa mecânica oferece feedbacks constantes aos participantes, pois eles precisam saber quais são seus acertos e erros nos desafios para avançar melhorando suas ações, isso os conecta aos objetivos da empresa, passam a se importar mais com a cultura organizacional, normas e processos internos.
É importante que os cargos de liderança participem ativamente com apoio, orientação e acolhimento, pois os colaboradores precisam se sentir seguros para reportar novas questões que podem surgir no decorrer do projeto, bem como receber orientação que o ajude a desenvolver outras habilidades.
- Storytelling – É a arte de contar uma história que crie conexão com as pessoas. Para isso é essencial descobrir quais são seus hábitos, referências e costumes, a fim de incluí-los e adaptá-los dentro da narrativa da história, ao ponto de torná-la significativa para os participantes se engajarem nas atividades gamificadas.
- Competições – Nesse tópico é importante analisar se a equipe de competidores tem níveis equilibrados de competitividade e cuidar para que a competição não gere mal-estar entre eles. Fazer uma amostra de teste auxilia a ajustar a mecânica do jogo. A disputa precisa ser dentro dos limites saudáveis da boa convivência, livre de parcialidade e de preferência com um desfecho em que os não ganhadores do prêmio final tenham aprendido e conquistado algo ao longo de toda competição. No final toda equipe é beneficiada e permite que o talento individual também seja reconhecido.
A gameficação pode fazer parte de todo processo empresarial e estar presente em todas as frentes do negócio, iniciando pelo processo seletivo, para que em um ambiente menos hostil, o candidato demonstre todo seu perfil e habilidades. Posteriormente, ocorre a apresentação dos pilares e política da empresa, integração, treinamentos, melhoria de processos internos, qualificação, até a realização de pesquisas de satisfação para otimizar o atendimento, encantar e manter o cliente satisfeito.
As soluções que a empresa procura ficam mais próximas de serem reveladas em um ambiente positivo, cativante, desafiador, zelado pela colaboração, regado pelo reconhecimento profissional tão desejado por todos e que o projeto gamificado pode proporcionar.