A conta de energia tem assustado varejistas de todo o país e, sem perspectiva de tarifas mais baixas, a solução é investir em métodos de economizar
Por William Saab
A conta de energia se tornou um dos principais desafios para os brasileiros. E, se os números de 2021 não são bons, os de 2022 acendem um alerta. De acordo com relatório da Confederação Nacional da Indústria (CNI), divulgado em novembro, o alto custo da energia irá resultar no fechamento de 166 mil empregos neste ano e as exportações terão perdas que somarão R$ 2,9 bilhões. O PIB deste ano sofrerá as consequências da alta desse insumo: redução de R$ 8,2 bilhões em 2021 e queda de R$14,2 bilhões no ano que vem e o consumo das famílias cairá em R$ 12 bilhões.
Outros números ainda preocupam. Victor Iocca, gerente de energia elétrica da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), em evento realizado pela revista Época Negócios em outubro, afirmou que o valor a mais para os consumidores de energia será de R$ 20 bilhões em 2021, podendo chegar a R$ 40 bilhões nos próximos anos. Para ele, duas situações colaboram para os preços em elevação: a crise hídrica e a falta de modernização de algumas gestões.
A falta de chuvas é um dos principais fatores que fazem a energia encarecer tanto neste ano. O volume baixo dos reservatórios dos rios que abastecem as hidrelétricas, principal fonte do país, fez com que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) optasse por acionar as usinas termelétricas, formato mais caro do que outras fontes. O preço mais caro recai sobre o consumidor, com ajustes que podem chegar a 20%.
Com a situação preocupante, o empresário que depende 100% da energia enfrenta dificuldades. A operação exige uma conta cruel entre absorver os gastos ou repassá-los para os clientes. Em um cenário em que os custos com energia representam 15% da operação, a alta na conta pode ficar salgada, especialmente para lojas que possuem grande oferta de carnes, congelados e ilhas refrigeradas. São estações que precisam trabalhar ligadas 24 horas por dia, sete dias na semana, sem risco de desligamento.
Economia e sustentabilidade
Se as tarifas não tem previsão de baixar, o jeito é encontrar mecanismos para baratear a conta. O mercado possui várias soluções com boas práticas que impactam não somente em uma conta mais baixa, mas também em soluções menos poluentes. E essa é uma situação que exige atenção. Dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), produzido com exclusividade para a CNN Brasil, revelou que o país aumentou em 121% a emissão de gás carbônico (CO2) pelo uso das usinas termelétricas nos nove primeiros meses de 2021 em comparação a 2020. Por esta razão, optar por equipamentos e técnicas mais modernas trazem benefícios para esses dois problemas.
Para isso, algumas soluções podem ser implementadas em loja para baratear os custos. A primeira delas é combinar a iluminação artificial com a natural. O varejo, com destaque para os supermercados, é o setor com mais histórico de instalação de placas solares. São 38% das aparelhagens no Brasil, de acordo com dados da consultoria Greener.
Além da montagem ser de baixa complexidade, a economia de energia pode chegar a 95%, redução muito expressiva em um cenário em que o gasto com energia elétrica é a segundo maior despesa do varejista, atrás somente da folha de pagamento, de acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS).
É importante que toda a engenharia elétrica do estabelecimento esteja com as revisões em dia, pois fios desencapados e interruptores danificados podem colaborar com o desperdício de energia. A instalação de sensores de presença em espaços de menor movimentação também é forma de economizar, assim como investir em lâmpadas de LED, cujo valor pode ser 90% mais barato.
Outra alternativa que economiza energia está na adoção de novas tecnologias no cotidiano dos supermercados. Substituir computadores desktop por tablets ou notebook barateia a operação. Trocar condicionadores de ar, especialmente os antigos, por modelos novos, com controle de temperatura também reduz o gasto, da mesma forma, os fornos instalados nas padarias das lojas, quanto mais ultrapassado, maior a conta. Manter os filtros limpos também é uma forma de otimizar o uso do aparelho, ampliando sua eficiência.
Ainda sobre a atenção com aparelhagens antigas, é importante prestar atenção nos aparelhos de refrigeração como freezers, gondolas e câmeras frias. Eles emitem o HCFC22, fluido que, quando vaza, impacta na destruição da camada de ozônio – e contribui para contas de luz mais altas. De acordo com o Programa Brasileiro de Eliminação dos Hidroclorofluorcarbonos (HCFCs), 94% dos sistemas de refrigeração apresentam alguma falha que permite que esse gás se espalhe, gerando um prejuízo de R$ 500 milhões para os supermercados todos os anos. Esses equipamentos devem estar ainda com a borracha de vedação em bom estado, pois é essa estrutura que garante o funcionamento eficaz.
Educar o público interno
Implementar bons materiais é um dos caminhos para garantir melhores números na conta de luz, mas, sem a adesão de todas as equipes de loja a economia não será suficiente. Por isto, é importante educar os colaboradores, especialmente das grandes redes, para que o desperdício de energia seja papel de todos. Campanhas de endomarketing devem ser implementadas com ações práticas sobre como cada um pode fazer a sua parte. Atitudes simples como apagar as luzes de banheiros e desligar computadores, em vez de deixá-lo no modo stand by, são algumas dessas atividades.
Algumas experiências fora do país já possuem sistemas que permitem coletar toda a matéria orgânica que seria descartada e transformar em energia. Por meio de uma usina de biometano, todo o volume é processado e devolvido ao estabelecimento por meio de cabos de transmissão, garantindo 100% da eletricidade. Ainda é uma realidade distante, mas é importante lembrar que existem soluções para garantir formas seguras e econômicas de produzir energia.
Checkout Entrevista – Thiago Pietrobon
A conta de luz virou um dos vilões do orçamento de todo brasileiro. A despesa fica ainda mais crítica para estabelecimentos que dependem de eletricidade para o funcionamento, como os supermercados. Em entrevista à Checkout RH, Thiago Pietrobon, biólogo, professor doutor em Evolução do Comportamento, conta que os impactos com esses gastos ainda devem pesar no bolso do empresário, mas, apesar do cenário desafiador, há diversas maneiras de economizar.
1 – A energia é o segundo maior custo de um supermercado. Por que ela está tão mais cara?
O nosso uso de energia está pautado no clima, que, no momento, está bagunçado. As mudanças no regime médio de chuva e as consequentes secas têm impactado demais no preço. A maior parte da nossa produção é hidrelétrica, por isso, a falta de água afeta o custo. Outro fator é que parte da nossa energia é importada e, com o dólar alto, o preço fica ainda mais caro. Os nossos hábitos de consumo também influenciam já que eles vêm mudando. Antigamente, tínhamos um pico de consumo no fim do dia, hoje temos vários picos diferentes. Todas essas variáveis refletem nessa tendência de alta, que não tem perspectiva de mudança no curto prazo.
2 – O horário de verão ajudaria nesses gastos?
É uma questão que divide opinião entre os especialistas. Eu acredito que traz resultados, mesmo com 2% a 3% de economia real, para quem está no dia-a-dia, buscando eficiência energética, qualquer percentual é bastante significativo, especialmente para negócios que dependem de energia. Estamos próximos de ultrapassar o limite da demanda, com um cenário que lembra os apagões que já tivemos em anos anteriores. Essa parcela de economia ajudaria a evitar essa escassez.
3 – Existe uma forma de tarifação menor para estabelecimentos de grande porte como os supermercados?
Sim. Existem diferentes classificações tarifárias. Para o menor consumidor, as possibilidades são limitadas, mas conforme aumenta o volume, permite-se mudar de classe tarifária, o que reduz o custo a ser pago pela energia. Isso demanda mudanças. A principal diferença é se você recebe a energia em baixa (110v, 220v ou 380v) ou em média tensão, o que exige um transformador. Essas questões reduzem o valor a ser pago. As grandes redes podem migrar para o mercado livre, que é quando você escolhe de quem comprar, mas essa situação vale para lojas que possuem mais de uma unidade, com mais de 500kw de demanda contratada.
4 – Quais os principais vilões para os desperdícios e que medidas os supermercados podem tomar para economizar?
O primeiro passo é identificar onde se está consumindo de forma errada. Não necessariamente o vilão é o equipamento grande que consome mais, mas o pequeno que não damos importância. Em termos gerais, a maior parte do consumo é para refrigeração e climatização e, para reduzir, é preciso que o sistema troque menos calor. Balcões e expositores fechados reduzem o consumo, assim como manter desobstruída a troca de calor, para evitar formar gelo no interior dos equipamentos. Limpar a sujeira na área externa também é importante. Quanto mais calor aquela mercadoria recebe antes de ser refrigerada, mais energia será preciso para resfriar. Priorizar produtos congelados e resfriados é uma medida de economia. Outro vilão, por exemplo, são as máquinas para embalar resinite. É uma resistência que fica quente para cortar e compactar o plástico. É comum lojas que ligam esse aparelho logo no início da operação, mesmo que o uso se dê em outro momento. É algo que passa despercebido, mas é uma resistência que fica ligado direto, consumindo uma energia desnecessária.
5 – Como aliar a economia de energia com sustentabilidade?
Toda vez que se economiza resíduos, como água e luz, menor será o custo e, consequentemente, menos impacto ambiental. E começamos a conversa falando justamente sobre o impacto no clima que o gasto de energia gera. Quando se associa questões ambientais com a operação, tem-se esse duplo benefício.
6 – Os pequenos lojistas possuem alguma vantagem por ter uma instalação mais modesta?
A vantagem fica por conta da maior facilidade em controlar e estar atento aos equipamentos ligados. Grandes plantas possuem menor controle, mas as vantagens param por aí, pois quanto maior o consumo, maior o poder de negociação em custo energético e maior o investimento em aparelhos com controle e automação.
7 – Como está o mercado para as aparelhagens mais comuns nas lojas? Vale a pena investir em equipamentos mais modernos?
É preciso avaliar caso a caso. Sucatear um equipamento tem seus impactos econômicos e ambientais. O ideal é modernizar. Por exemplo, às vezes vale mais a pena consertar o micromotor do ventilador que troca o ar do balcão de exposição do que comprar uma peça nova. Trocar a válvula de expansão ou incluir um inversor de frequência na casa de máquina já pode ser uma solução. Mas é preciso pessoas capacitadas para mostrar o melhor caminho.
8 – Como envolver os colaboradores nesse processo?
É um processo essencial. Quanto mais transparência, melhor. As ideias mais eficazes surgem das áreas, porque estão na rotina e podem identificar falhas. Envolvê-los é importante. Uma ideia é usar as estratégias do time comercial e estabelecer metas e recompensas por equipes. Criar comitês e grupos de discussão para identificar oportunidades e melhorias também é uma forma de colher bons resultados. Mesmo o diálogo no começo do dia pode ser interessante, com alertas para os times. Uma fala de inspiração já abre os olhos dos colaboradores.
9 – Você esteve na COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), na Escócia, alguma boa notícia?
Foi uma reunião muito importante porque percebemos muitos avanços. Tivemos o fechamento do livro regras do Acordo de Paris, que restabelece o mercado de carbono e houve avanço também sobre a transparência sobre metas e comunicação. A base científica está muito mais consolidada, as incertezas são menores sobre várias questões. Começamos a conferência com a certeza de que haveria aquecimento de 3,3ºC e terminamos com acordos que reduzem para 2,4ºC, o que é uma boa notícia. O ideal mesmo seria que essa temperatura não aumentasse além de 1,5ºC. Precisamos ser mais ambiciosos ano após ano porque esse aumento da temperatura terá impacto na produção de alimentos e na distribuição populacional no mundo, por exemplo.